quarta-feira, 11 de julho de 2018

DOENTES DE AMOR (2017)

Encontro inesperado

DOENTES DE AMOR (The Big Sick / 2017) – O título em português é horrível. Até demorei pra assistir este filme pelo nome. Verdade. Passa uma imagem de ser uma comédia romântica rasa, bem sessão da tarde mamão com açúcar. Não poderia estar mais enganado. O roteiro do filme, baseado na vida do protagonista Kumail, concorreu ao Oscar, muito por conta de uma despretensiosa história que levanta uma série de questões bem atuais.

O diretor Michael Showalter (de pé) em ação

Kumail é paquistanês que há tempos mora nos Estados Unidos com os pais e o irmão, porém não dividem o mesmo teto. Ele divide um apartamento pequeno com um amigo e passa boa parte do seu tempo no bar onde se apresenta em shows de stand up. O resto do dia ele passa levantando dinheiro como motorista de uber. Em uma das apresentações ele conhece Emily e começam a sair. A química rola bem e começam a namorar. O problema é que Emily é loira e não tem nada de paquistanesa. Por isso ele não conta pra família tradicional sobre a namorada americana. E a mãe de Kumail continua apresentando ao filho mulheres paquistanesas. Pela cultura deles o casamento é arranjado entre as famílias. Kumail se enrosca por não contar para uma sobre a existência da outra.



Os pais dela

SPOILERS

Esse poderia ser o único plot de Doentes de Amor, mas como disse antes, está não é uma comédia romântica tradicional pura e simples. O namoro acaba e quase ao mesmo tempo Emily se descobre portadora de uma doença que ninguém descobre o que é. Kumail, que ainda gosta de Emily, avisa os pais dela sobre a doença e fica no hospital o tempo todo. A relação dos pais com Kumail não é boa. Eles parecem ter um certo preconceito com o rapaz, talvez por ser paquistanês e muçulmano (mesmo não praticante). Em determinado momento conversam sobre o onze de setembro e Kumail responde: “foi uma tragédia,  perdemos 19 dos nossos melhores homens”. E explica na sequência que foi uma piada para alívio dos pais.

FIM DOS SPOILERS

Ele está sempre lá
A relação dos pais de Emily com Kumail levantam questões secundárias como tolerância religiosa,  racial e acaba sendo a força de que Emily tanto precisa. As tiradas espertas do roteiro são o palco perfeito para Kumail e Terry (Ray Romano) dando leveza para a pesada trama. Por esse peso inesperado digo que Doentes de Amor lembra Digam o que Quiserem, clássico de Cameron Crowe com John Cusack. Um filme a princípio leve, uma comédia sem pretensões mas que deixa pontos importantes pra discussão. São filmes muito mais profundos do que parecem. E no final surpresa nos créditos. Fotos que comprovam que a história aconteceu de verdade. Uma grata surpresa.
Veja abaixo o trailer de Doentes de Amor.

domingo, 8 de julho de 2018

O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA (2006)

Whitaker no papel da sua carreira

O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA (The Last King of Scotland / 2006) - Forest Whitaker ganhou o reconhecimento geral em O Último Rei da Escócia, levou o Oscar pela atuação do ditador Idi Amin. Whitaker atuou em diversos filmes e seriados desde 1982. Destaque para Platoon, O Mordomo da Casa Branca e pontas em Rogue One e Pantera Negra. Em nenhum deles ele esteve tão bem quanto em O Último Rei da Escócia.

Governando à duras mãos

A história começa na Escócia nos anos 70. Nicholas (James McAvoy) acaba de se formar em Medicina mas não queria trabalhar no País. Ele literalmente rodou o globo e acabou pousando o dedo em Uganda.

Nicholas (McAvoy) começando o trabalho humanitário na Uganda

O país africano passava por um período político turbulento. O governo de Milton Obote acabara de sofrer um golpe e o general Idi Amin (Forest Whitaker) se tornou o novo presidente. No começo tudo bem, o povo aplaudia a passagem de Amin nas cidades e nos vilarejos. Nos comícios era ovacionado. 

Idi Amin

De repente ele foi surpreendido por um chamado, o presidente precisava de atendimento médico. Quando chegou no local o cenário era o seguinte: o carro presidencial parado no canto da estrada, do outro lado um boi agonizando e os donos dele se lamentando e no centro o presidente Amin reclamando de dores na mão. Nicholas atendeu o ferimento do presidente e começou a se irritar com os gritos agonizantes da vaca. Por fim, sacou a arma do coldre do presidente e matou a vaca. O presidente gostou daquele ato repentino e inesperado, Nicholas caiu no gosto do mandatário do país.

A desconfiança no começo
Em pouco tempo se tornou amigo, confidente e até conselheiro do presidente. Algumas pessoas tentavam alertar Nicholas sobre as atrocidades que ele cometia contra a população, contra inimigos políticos e claro traidores dentro do próprio governo. Nicholas não acreditava porque não tinha visto nada. Para ele, Amin era até injustiçado.

De médico pessoal a amigos
Até que ele informou a Amin sobre um ministro que estava conversando de forma estranha com outro homem. Do nada, ele desapareceu. Aí Nicholas percebeu que o governo era uma ditadura. E pior, disse que queria ir embora pra Escócia, Amin não deixou e o jovem se viu preso a um homem violento em um país sem  lei.

O diretor Kevin McDonald em ação

O grande trunfo de O Último Rei da Escócia é mesmo Whitaker. Ele  consegue mudar de intenção em uma mesma cena, saindo de um sorriso simpático e bonachão para uma expressão fechada,  amarrada,  que te deixa às mãos do inesperado. Assustador, pra dizer o mínimo.

A expressão que se fecha e a ditadura que se acirra

O filme ganha tons claustrofóbicos na parte final e cumpre muito bem o papel de servir como biografia do líder autoritário de uma das mais sangrentas ditaduras da história, que vitimou 300 mil pessoas em 7 anos. O Último Rei da Escócia serve hoje, 10 anos depois, como espelho de outros governantes que tem por aí. Um líder “mimado que mais parece uma criança”, conforme descrito por Nicholas. Uma semelhança que não é mera coincidência.
Veja abaixo o trailer  de O Último Rei da Escócia.


quarta-feira, 4 de julho de 2018

IMPÉRIO DOS SONHOS (2006)

Surrealismo puro

IMPÉRIO DOS SONHOS (Inland Empire / 2006) – O mundo consciente, real, o nosso dia a dia...  Nada disso interessa a David Lynch. E quando interessou – em filmes como História Real, Coração Selvagem, por exemplo - Lynch não soube tirar proveito ou não conseguiu. (Homem Elefante é uma exceção, ok?). O único lugar onde o diretor norte americano parece se achar é no mundo bizarro, irreal... estranho, pra dizer o mínimo.

Metalinguagem

Foi assim que Lynch fez seu nome no cinema – Eraserhead, Cidade dos Sonhos, Veludo Azul, Twin Peaks... – e na televisão, no caso deste último – em obras que estão longe, muito longe de serem tradicionais. Seja pelo roteiro, pela trucagem, pela trilha ou pelos personagens bizarros. Lynch sempre acha um jeito de assinar suas obras. Império dos Sonhos, é claro, não poderia ser diferente.

Nikki tenta entender

Aqui, Laura Dern interpreta Nikki, uma atriz de Hollywood que vive em um casarão bonito, cheia de luxo com direito a mordomo e tudo. Ela recebe a visita de uma senhora com um forte sotaque polonês que diz ser sua nova vizinha. A senhora fala sobre o novo filme que Nikki vai trabalhar, cita algo sobre assassinatos e assusta a atriz quando parece saber do seu futuro.


A nova vizinha polonesa

Por 1 hora o filme se desenvolve de forma até certo ponto linear, pelo menos para os padrões de Lynch. Nikki encontra o diretor do filme fictício, vivido por Jeremy Irons e seu assistente interpretado por Harry Dean Stanton. No estúdio ela encontra também o ator com quem contracenará. Eles descobrem que o filme que irão fazer na verdade é um remake de um filme polonês que não havia sido terminado porque os atores principais foram assassinados. 

Os atores

Sem ligar para o fato, a produção é tocada em frente. E daí em diante não sabemos mais o que é filme, o que é a vida pessoal dos atores ou dos personagens, o que é delírio e o que é pesadelo. E vai assim até o final. 

Um sonho que foge ao sentido

Contar exatamente o que acontece com os personagens não resolve nada, porque o que vale aqui é a jornada perturbadora que a trama toma. Difícil dizer o que é realidade e devaneio de Nikki, mas assim são os filmes de Lynch – histórias densas embebidas em grandes porções de sonho e inconsciente. A viagem aqui não é nada agradável.


Distúrbios

Uma viagem ao mundo das prostitutas sujas, uma família de coelhos em um sitcom passando pelo leste europeu sem explicações e caindo em salas escuras com abajur vermelho e tudo. Tudo muito Lynch.

Os coelhos

Veja abaixo o trailer de Império dos Sonhos, sem dúvida o filme mais perturbador da carreira de David Lynch.


domingo, 1 de julho de 2018

SILÊNCIO (2016)

Japão da perseguição religiosa

SILÊNCIO (Silence / 2016) – Japão, século 17. Martin Scorsese focou nesse país e nesse período pra contar uma história impressionante e pouco conhecida. E por mais problemas que eu veja em algumas características do renomado cineasta – como o uso constante e ininterrupto de trilha, a obsessão por Di Caprio, e outros tantos – tenho que dar o braço a torcer, Scorsese sabe se reinventar. E criou em Silêncio algo diferente, novo, e inovador na sua carreira.

Scorsese em ação

No Japão Feudal o cristianismo é proibido, digno de tortura e morte de quem o segue. Os católicos japoneses são perseguidos e obrigados a negar a sua fé ao pisar em uma imagem de Jesus Cristo. Já os padres que vem de outros países catequizar a população são perseguidos, torturados e mortos. 

Japoneses perdidos escondendo sua fé

Andrew Garfield e Adam Driver são dois padres portugueses que seguem clandestinamente para o Japão à procura de padre Ferreira (Liam Neeson) que sumiu e não mais deu notícias. Lá, a dupla encontra na floresta fechada vários católicos à procura de ajuda, refúgio, confissão e confirmação da sua fé. Mas o cenário no Japão é muito violento.

Olhando por ajuda

Tortura, perseguição e radicalismo religioso. Silêncio tem cenas impressionantes e assustadoramente realistas de tortura e violência. O roteiro bem escrito (baseado em um livro) dá bom espaço principalmente para Garfield mostrar seu talento. E o jovem ator, que só atrapalhou em Até o Último Homem, aqui tem o seu grande momento. Nas cenas mais fortes ele vai muito bem. O feioso Driver mesmo com pouco tempo de tela se mostra um ator de futuro promissor.

Talento

E tudo é muito bem captado pelo olhar sensível de Scorsese. A trilha dá lugar ao silêncio do título,  muito respiro e olhares rumo ao nada. Um filme de reflexão, como sugere a tradição oriental. É um dos grandes acertos de Silêncio.

Caça aos católicos

Não à toa, o filme concorreu ao Oscar de fotografia. É belíssimo. Sempre com as montanhas japonesas de serração forte como pano de fundo.

A bela fotografia de Silêncio

Vale as 3 horas de duração. É um grande acerto que já o coloca como um dos grandes filmes do Scorsese. Longe de  ser um Touro Indomável ou  um Táxi Driver, longe disso.  Mas na rica filmografia de Scorsese não faz feio não.

Escondidos mas rezando

Veja abaixo o trailer de Silêncio.