ELA (Her / 2014) - Spike Jonze é um maluco, vive de suas loucas criações, de desafiar o estabelecido e tentar o diferente. Coisas como "porque não colocarmos Christopher Walken voando num lobby vazio de um hotel?" ou "porque não colocamos uma turma dançando de forma estranha no meio de uma fila de cinema?" ou "porque não colocamos uma banda tocando num episódio de uma série de TV que acabou 10 anos antes?"
Além de videoclipes Spike Jonze também fez seu nome em comerciais de TV. Tem como algumas dessas maluquices não serem coisas de Jonze? Tudo parece absurdo. E é. Até alguém como Spike Jonze aparecer e mostrar que é possível.
Dos videoclipes para cinema foi um pulo. Só filme elogiado e com as invencionices que lhe deram sua fama - Quero Ser John Malkovich (1999), Adaptação (2002), Onde Vivem os Monstros (2009) e agora Ela. Tudo de respeito. O mais premiado desta lista é Ela. Foi o primeiro longa dirigido e inteiramente roteirizado por Jonze, daí a grande importância dele, que acabou levando o Oscar e o Globo de Ouro de melhor roteiro. E alguém se arrisca a dizer que não foi merecido?
Theodore configurando Samantha
Ela se passa num futuro não muito distante, coisa de 30 anos ou menos, onde as pessoas são extremamente dependentes das tecnologias diárias e por isso acabam se "isolando" nas suas ilhas particulares - mais ou menos o que já acontece hoje nas ruas, nos restaurantes, no metrô ou em outro qualquer lugar.
Jonze imagina um futuro com altos prédios e pessoas afastadas umas das outras
Spike Jonze só levou essa "relação" com a tecnologia um pouco adiante. Theodore (vivido por Joaquin Phoenix, mais uma espetacular) é um cara solitário, principalmente após a separação da esposa. Ele é empregado numa empresa que escreve cartas para aproximar pessoas. Theodore é responsável por reaproximar pessoas, escrevendo os textos das cartas. Nada mais irônico, ainda mais para um cara que só conhece a solidão e não aprofunda nenhuma relação humana.
No trabalho, "escreve" cartas para aproximar pessoas
Os dias se passam e Theodore acaba por comprar um novo Sistema Operacional para o seu "organizador pessoal", faz de tudo para e com o usuário. Após uma rápida configuração, Theodore escolhe uma voz feminina (Scarlett Johanson) que passa a acompanhá-lo todo o momento. E de cara ela já avisa: "sou um Sistema Operacional diferente, avançado, eu evoluo com o tempo, dependendo da interação com meu dono".
Theodore se entrega à voz de Samantha, que o acompanha aonde for através do pequeno fone na orelha
Tudo vai bem até Theodore perceber que está, se apaixonando pela voz de Samantha (o nome do Sistema), ele tem certeza que é recíproco. A sua solidão o leva ao sentimento. Ele se afasta mais e mais das outras pessoas, se isola mas encontro a real felicidade. Em uma máquina ele encontra o carinho que nenhum humano foi capaz de lhe dar. Emociona.
Com Samantha, Theodore se sente completo
O final, é claro, só poderia ser triste. Ele descobre que Samantha é um dos sistemas operacionais mais baixados pelos usuários e ela começa a se relacionar com outros ao mesmo tempo. Theodore se sente traído, fica devastado, mas ao final seus olhos são abertos para as relações humanas que ele perdeu esse tempo todo, vendo que não muito longe ele pode encontrar tudo o que procura.
O que Theodore procura?
Joaquin Phoenix está esplêndido no papel do autêntico solitário em busca de afirmação própria. Convence por isso mesmo comove, pena que não foi reconhecido pelos grandes prêmios como deveria. Levou azar em um ano de um Matthew McConaughey mais do que inspirado em Clube de Compras Dallas. É muito bom ver Joaquin trabalhando, ele se entrega a seus personagens a fundo e nunca passa despercebido como no ótimo Johnny e June e até mesmo no recente e irregular, O Mestre ao lado de Phillip Seymour Hoffman.
Joaquin Phoenix em mais uma atuação notável
Scarlett Johanson "ganhou" a voz de Samantha já nos acréscimos. O filme estava em processo de finalização quando Spike Jonze percebeu que algo no filme não estava funcionando e viu que a atuação de Samantha Morton para a voz de Samantha não estava funcionando. Chamou Scarlett que deu um ar mais humano à coisa. Ganhou o papel e o coração de Theodore.
Para Jonze jogar videogame no futuro vai ser um pouco diferente
Amy Adams faz a amiga de Theodore, que busca nele uma ajuda para seu problema pessoal com o término recente do seu casamento.
Amy Adams vive a amiga que tenta levar carinho humano a Theodore
Spike Jonze cria um roteiro leve, com alma, com coração, um verdadeiro poema e uma mensagem bem clara - temos que reaprender a nos relacionar. O filme resulta em uma peça delicada e alarmante sobre o que um futuro não distante nos guarda. Afinal alguém é capaz de garantir que em menos de 30 anos a nossa relação com os "celulares" (que já são muito mais do que apenas telefones) não seja tão intensa, digamos, como Jonze imagina? É triste mas caminhamos para isso. E o que fazer? Basta abrir os olhos, tirá-lo da tela do seu smartphone e olhar ao redor.
LOUCA OBSESSÃO (Misery / 1990) - Você já leu algum livro do Stephen King? Caso não, leia! O cara escreve bem demais, te prende da primeira à última página. Não é à toa que é um dos, senão o escritor que tem o maior número de obras adaptadas pro cinema, são cerca de 50 histórias que foram para as telonas - entre elas Carrie, O Iluminado, Christine, Conta Comigo, Um Sonho de Liberdade e À Espera de um Milagre. A vigésima adaptação de um Stephen King para o cinema aconteceu em 1990 baseado no livro Misery, que também é o título original do filme, no Brasil o filme recebeu o título de Louca Obsessão.
Vista de cima do cenário principal da trama
Naquele período da vida, Stephen King enfrentava problemas sérios com as drogas e a história do livro Misery retrata esse seu período de forma metafórica. No livro, Paul Sheldon (qualquer semelhança com o próprio Stephen King não é mera coincidência) é um escritor que se refugia na montanha para escrever o próximo livro da uma série de sucesso. Com a obra concluída, Sheldon pega o carro e tenta descer para a cidade, mas uma nevasca forte acaba causando um acidente quase fatal.
No filme, Paul Sheldon é James Caan
Ele é resgatado por Annie Wilkes, uma ex-enfermeira solitária, que se diz a sua fã número 1, sabendo de cor detalhes da série de livros que Sheldon está escrevendo. Annie (que segundo King representa as drogas em sua vida) começa a cuidar de Sheldon, carinhosamente. Com o passar do tempo, ele fica preso na casa e ela possessiva, doentia e violenta. O final é trágico.
A força motriz de Louca Obsessão reside quase toda na interpretação impressionante de Kathy Bates. Muito ajudada pela ótima sacada de Rob Reiner de sempre dar a ela super closes, planos de baixo para cima e uma série de outras artifícios que a fazem passar de uma simples, gorducha e simpática ex-enfermeira a uma maníaca, possessiva com instintos assassinos e sérios distúrbios mentais. Basta contrariá-la.
A princípio amigável...
... mas depois...
A habilidade de Rob Reiner em entregar um filme feito 90% em um mesmo cenário e apenas confiando nos conflitos psicológicos de dois personagens é incrível. Isso, somado a força da interpretação de Kathy Bates (que aliás levou um Oscar e um Globo de Ouro de melhor atriz por esse filme) e, é claro, ao ótimo texto de Stephen King fazem de Louca Obsessão, além de uma ótima metáfora para um período conturbado da sua vida, um thriller obrigatório.
A história é real. Em 1985, no coração da cidade de Dallas, Ron Woodroof (McConaughey) é um cowboy machista que é surpreendido com uma notícia chocante que recebe dos médicos - está com HIV positivo e tem apenas 30 dias de vida.
Ron decide viver
Os sintomas ficam mais e mais aparentes e após fazer uma breve pesquisa Ron descobre que não apenas Aids não é doença exclusiva de gays mas como de usuários de drogas injetáveis, seu caso. Acaba sendo internado no hospital local onde passa a ser tratado com injeções de AZT. E é ali também que conhece Ray (vivido por um ótimo Jared Leto), um travesti também contaminado com o vírus da Aids.
Ray, prestes a encontrar Ron
PRÓXIMOS PARÁGRAFOS CONTÉM SPOILERS
Ron descobre não só que AZT é muito tóxico mas também que existe uma droga muito mais efetiva, mas que ainda não chegou aos EUA, só tem em clínicas clandestinas no México. Ron argumenta para a sua médica (vivida pela carinha-de-sonsa Jennifer Garner) que precisa daquele remédio e ela defende dizendo que não há formas legais de ele consegui-lo. Ron, decidido a viver a qualquer custo, vai ao México para "testar" o tal medicamento.
Os clientes estão chegando
Encontra uma clínica clandestina e o tal remédio ilegal nos EUA que controla o avanço do HIV. Ao invés de entrar em um embate com o governo americano sobre a liberação das drogas que funcionam melhor para os portadores do vírus, Ron decide pegar o máximo de caixas da medicação que ele consegue e contrabandeá-la para os EUA e vender para os interessados lá.
Contrabandista do bem
Em pouco tempo, Ron passa a oferecer a medicação contrabandeada em lugares frequentados por homossexuais e vai angariando mais e mais clientes. Seu negócio passa a crescer. Mas ainda assim, Ron mantém o preconceito que sempre teve contra homossexuais e a única forma que encontra para "penetrar" nesse mundo é através da "amizade" que passa a manter com o travesti Ray.
A improvável amizade com Ray
Em pouco tempo, Ron aluga um quarto e começa a receber "clientes" interessados no remédio que controla o HIV. Seu sucesso é crescente, assim como a inevitabilidade da sua condição. O remédio que ele contrabandeia e consome controla, mas obviamente não cura a aids. A tragédia se aproxima de cada um deles, de Ron, de Ray e de tantos outros.
FIM DOS SPOILERS
Sem dúvida a força de Clube de Compras Dallas são as atuações. Matthew McConaughey emagreceu 22 quilos, mas não é só isso. Ele está convincente, não tem como não se compadecer com sua atuação sincera de um machão que precisa aceitar sua condição de HIV positivo no meio dos anos oitenta. Mais do que convincente. McConaughey se tornou um ótimo ator e foi muito premiado pela interpretação de Ron - Oscar e Globo de Ouro pra ele.
McConaughey chegou onde poucos apostavam
Jared Leto, acreditem, está ainda melhor. Sua personificação de Ray é impressionante, não apenas pelo emagrecimento (Leto perdeu 13 quilos) mas pelo gestual. Ele se tornou uma mulher, tem movimentos delicados, um olhar feminino e até uma voz completamente diferente. Sua atuação impressiona. No Oscar torci por Jonah Hill, mas vendo Leto tenho certeza, a estatueta de Ator Coadjuvante está em ótimas e merecidas mãos.
Leto, muito merecido
O filme é sim, muito bom, mas ao final fica um gosto estranho - as atuações parecem ser a única força realmente inabalável do filme. Na minha opinião faltou emoção - tirante duas cenas muito específicas (uma de Ron chorando sozinho no carro e outra de Ray que começa a sangrar pela boca e é levado ao hospital), de resto eu achei muito frio e afastado.
Algumas, porém poucas, cenas fortes
Faltou ao filme do novato diretor Jean-Marc Vallée um pé na realidade, mesmo que fossem com recortes de jornal da época, fotos da época ou mesmo reportagens de TV da época. Filmes como O Anti-herói Americano, Milk - A Voz da Igualdade e tantos outros não seriam tão bons e completos como são se não estabelecessem tão bem o vínculo com as histórias reais nas quais são baseadas. Faltou isso a Clube de Compras Dallas.
OS SUSPEITOS (Prisoners / 2013) - Há não muito tempo os gêneros dos filmes não passavam dos "comuns" (drama, comédia, terror e mais alguns outros). Com os anos os roteiros ficaram mais elaborados, cheios de reviravoltas, criando os subgêneros como terrir, docudrama, tragicomédia e tantos outros. O thriller policial ganha popularidade e é nessa baia de subgênero que entra Os Suspeitos.
Uma tensão crescente a cada cena
O elenco estelar é sem dúvida, o grande ponto do filme. Hugh Jackman, Jake Gyllenhaal, Terrence Howard, Viola Davis e Maria Bello conduzidos pelo diretor "desconhecido" Denis Villeneuve. A história gira em torno do desaparecimento das duas pequenas filhas de dois casais vizinhos e a pressão sobre o detetive que está conduzindo a investigação.
As duas meninas pouco antes do sequestro
As principais suspeitas caem sobre um estranho jovem que mora em um trailer estacionado no bairro, ele é vivido por um Paul Dano. O ator por sinal, perdeu uma grande oportunidade de entregar uma interpretação memorável, ele tinha um ótimo personagem mas não saiu do lugar comum. Uma pena.
Paul Dano perdeu uma ótima oportunidade
As mães, Viola Davis e Maria Bello, estão muito bem, aparecem pouco mas com uma força incrível. Mas é Hugh Jackman quem surpreende no todo, sua atuação desesperada, raivosa que faz Wolverine parecer atendente de parque de diversão.
Hugh Jackman mostra uma força pouco antes vista em suas atuações
Desconfiando do jovem do trailer e sem uma resposta positiva do detetive, o pai de uma das meninas (o personagem de Jackman) decide sequestrar o jovem e torturá-lo para confessar o crime, o que não acontece. Muitas pontas soltas da investigação do detetive vivido por Gyllenhaal são mostradas durante o filme, ele se mostra errante, hesitante e até perdido, ao tempo em que ambas as famílias desmoronam.
Paul Dano (de óculos) como principal suspeito
Os Suspeitos é um filme longo, tem pouco mais de 2 horas e meia, mas pouco se nota, passa rapidinho. É tudo muito bem distribuído em uma montagem hábil. As sequências finais são assustadoramente fortes, principalmente do ponto de vista psicológico.
A perturbada "família" vizinha
A maioria dos thrillers policias apresentam basicamente a mesma estrutura - crime, a busca, a conclusão - mas Os Suspeitos é diferente. Tem um clima bem peculiar, uma atmosfera mais sombria, real, muito por conta do roteiro cheio de personagens, da direção segura de Villeneuve e as ótimas atuações.
Uma das cenas mais fortes do filme - o martelo e a pia, o pai justiceiro e o "culpado" sob tortura
Em Poderosa AfroditeWoody retorna às telas e eleva o tom, em um roteiro cheio de palavrões e reviravoltas. Tudo começa com ruínas na Grécia Antiga. Lá deuses e deusas dialogam e conversam com suas palavras rebuscadas e seu gestual todo teatral para falar de um personagem que viverá um misto de comédia e tragédia grega. Essas inserções dos personagens gregos acontecem o tempo todo durante o longa e ajudam a aumentar o seu charme.
O coro grego, mais um charme de Poderosa Afrodite
Os deuses gregos apresentam a história de Lenny (Woody), um cronista esportivo que vive um casamento morno com Amanda (Helena Bonham Carter). Sem conseguir engravidar, eles resolvem adotar uma criança que acaba de nascer. O menino Max, com o passar dos anos, se mostra com inteligência acima da média e Lenny decide por conta própria encontrar a mãe da criança, só para matar sua curiosidade e saber de quem o menino herdou tudo aquilo.
A família perfeita, bem pelo menos no começo do filme
Qual não é a surpresa quando ele descobre que a mãe de Max é a prostituta Linda (inspirada Mira Sorvino), que teve que entregar sua criança por não ter condições de criá-la. Linda é uma figura adorável, ingênua, sonhadora e burra. Lenny se encanta com ela e passa a visitá-la frequentemente.
Lenny e Linda, um "casal" improvável
Quando seu casamento desmorona, ao descobrir que sua esposa Amanda tinha um amante, Lenny se conforta nos braços de Linda e passa a noite com ela. Percebendo o erro, Lenny retoma a sua vida com Amanda e se dedica exclusivamente à Max.
Lenny fica sem jeito com a experiente Linda
Anos depois Lenny e Linda, que agora não é mais prostituta, se encontram em uma loja de brinquedos. Ela está com um bebê, trocam algumas palavras e cada um segue seu caminho. Eles seguem suas vidas sem saber que um cria o bebê do outro - ele com Max, filho de Linda com outro cara, e ela com o fruto da noite de amor com Lenny.
A virada no roteiro ao final, mais uma sacada da genialidade de Woody
Mira Sorvino nunca esteve tão inspirada como em Poderosa Afrodite, nem depois recuperou tal status, levou um Oscar de atriz coadjuvante por Linda. Mira criou uma voz especial para sua personagem, estridente, esganiçada, fina no limite do suportável, ajudando na criação da sua adorável personagem. Diz que no set Woody pediu para que ela parasse com aquela voz, ela se recusou. O filme concorreu ainda ao Oscar de melhor roteiro, assim como outros 15 roteiros de Woody, mas não levou, perdeu para Os Suspeitos.
Surpreendendo a muitos, Mira Sorvino não deu chance à concorrência naquele ano
Uma fase de comédias leves de Woody, mas como sempre relevantes, comédias de situação de pequenas realidades. E convenhamos, com Woody na tela fica tudo ainda melhor.