PARA SEMPRE ALICE (Still Alice / 2014) - Talvez seja triste por ser tão real. Talvez seja triste por ser tão verdadeiro. Talvez seja emocionante por ser uma aula de interpretação. Talvez seja tão crível por ter uma direção de atores tão apurada. Talvez... Seja por tudo isso.
Família feliz e bem de vida
Para Sempre Alice contra a história da professora Alice Howland (Julianne Moore) que aos poucos, logo depois de completar 50 anos, passa a se esquecer de coisas usuais do dia a dia. Ela não deu muita bola, deixou pra lá, imaginou apenas estar cansada ou tendo um dia ruim, nada mais. Enquanto isso os esquecimentos foram crescendo e ela se sentindo cada vez mais isolada.
À procura de repostas... "porque eu?"
Alice demorou mas resolveu se abrir para o marido John (Alec Baldwin) e juntos foram ao neurologista. Prontamente ele receitou algumas remédios e indicou um tratamento. O caso era sério. Alice estava sofrendo de um caso raro de Alzheimer precoce.
Ao lado do marido ouvindo o médico
Em pouco mais de uma hora e quarenta assistimos a total desconstrução de Alice. O drama da família que se sente igualmente inútil, sem poder fazer nada. A filhas mais nova vivida por Kristen Stewart (que luta para tirar de si o rótulo da saga Crepúsculo) cabe perfeitamente no papel de uma filha problemática e que precisa enfrentar os problemas que teve com a mãe no passado para virar a pessoa da família mais próxima - já que os outros filhos tem afazeres com suas vidas encaminhadas e o pai viaja o tempo todo a trabalho.
A filha, com quem teve problemas no passado, é a mais próxima nos momentos finais
Neste ano nenhuma merecia este Oscar mais do que Julianne Moore
Ao final do filme temos uma sombra de uma pessoa, totalmente consumida pela doença, sem conseguir articular as palavras. O que vemos são apenas imagens de um encontro antigo que ela teve com a irmã quando ainda era criança, como um filme antigo. Alice adulta, com mais de 50 anos de vida, termina como uma criança... sem memória e quase sem fala.
QUE HORAS ELA VOLTA? (2015) - É a terceira vez que Anna Muylaert escreve e dirige um longa metragem. Ela já tinha se aventurado em 2002 com o fraco Durval Discos e em 2009 com o bom É Proibido Fumar. Seus roteiros priorizam os diálogos, sempre muito bem desenvolvidos. Que Horas Ela Volta? foi tão bem recebido em alguns festivais internacionais - ganhou prêmio em Sundance e Berlim - que chegou a ser cotado como o provável indicado brasileiro ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Val
A história se passa na casa de uma família rica de São Paulo e gira em torno de Val (Regina Casé, forçando um sotaque nordestino), a empregada que trabalha ali há décadas. Ela praticamente criou Fabinho, o filho dos patrões. Uma relação de amor puro, como a de mãe e filho.
Desde criança Val e Fabinho são como mãe e filho
Val recebe uma ligação da filha adolescente Jéssica dizendo que está vindo para São Paulo e ela pede autorização para os patrões e a filha passa a se hospedar ali. Aí começam os problemas. Jéssica não se vê como a filha da empregada e se aproxima de Fabinho. Chega até a se jogar na piscina. Abre a geladeira dos patrões e por pouco não se acomoda no quarto de hóspedes.
Jéssica, a filha de Val, chega para morar com a mãe
Bárbara, patroa e mãe do Fabinho (vivida pela ótima Karine Teles), começa a se incomodar e aos poucos impõe limites a Val, que começa a pressionar a filha para que se comporte direito. Lourenço Mutarelli, escritor do excelente O Cheiro do Ralo de 2006, não é ator de ofício (aliás é bem ruinzinho), mas tem papel importante no longa, como Carlos, o marido de Bárbara que aos poucos se encanta e até se apaixona pela beleza e juventude de Jéssica.
Uma família desconectada
Irritada com a situação, Jéssica sai da mansão e passa a alugar um quartinho numa região humilde, ao mesmo tempo em que revela para a mãe que ela deixou um filho pequeno no nordeste. Fabinho segue para um intercâmbio e Val se vê distantes dos dois filhos - a real e o de criação - e toma uma decisão: pede as contas, vai morar com a filha e insiste para que ela traga o neto do Nordeste para viver com elas.
Carlos começa ter sentimentos por Jéssica
O roteiro de Que Horas Ela Volta? usa o microuniverso de uma casa de alto padrão para questionar algo muito maior - as diferenças sociais de pessoas que dividem o mesmo espaço, escancarando um problema que a gente convive ou ignora todos os dias. É possível enxergar amigos, vizinhos, parentes ou até mesmo a si próprio em algumas das situações que o longa apresenta. O preconceito nosso de cada dia visto nas pequenas ações.
Karine Teles, a melhor atriz em cena
Mesmo assim, o roteiro carece de um ponto de virada, um plot a mais para mover o enredo - a história começa e vai até o final, sem grandes viradas (ou nenhuma). As atuações são péssimas, de cabo a rabo, com exceção de Karine Teles e Camila Márdila que vive a jovem Jéssica, filha da Val. Não vou nem perder tempo com Regina Casé que está péssima com uma interpretação estereotipada, exagerada e um sotaque mais fraco e sem sal do que o finado Esquenta.
MacFarlane escreveu e dirigiu Ted - que fez certo sucesso - e Ted 2 - completamente ignorado. Entre os dois, ele lançou esta comédia do velho oeste - Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola. O título nacional é horrível, chega a ser infame, ainda mais se comparado com o original, que apesar de não ser perfeito, indica uma piada repetida por vários personagens durante todo o filme.
Nos bastidores
Albert (MacFarlane) é um medroso criado de ovelhas que decide mudar de postura - ser mais corajoso - após ver sua namorada (Amanda Syefried), trocá-lo por Foy, o dono de uma barbearia canastrão, vivido por Neil Patrick Harris. O duelo pela mão da moça é a única saída.
Foy, o inimigo de Albert
Ele passa por um treinamento de tiro comandada pela bela Anna (Charlize Theron), uma forasteira que se esconde na cidade à pedido do marido, o bandidão Clinch (Liam Neeson), que cavalga pelas região atrás de ouro e de inocentes para fazer de vítima. Albert se apaixona por Anna. O óbvio cenário está montado.
Uma forasteira que balança corações
Depois de vencer o duelo com Foy - que sofrera de uma diarreia terrível graças a um pozinho colocado em sua bebida por Anna - Albert se vê numa encruzilhada. Clinch chega à cidade e busca o homem que teria beijado a sua esposa. Mais um duelo se apronta. E adivinha quem leva essa?
O bad guy por excelência
Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola tem o charme do velho oeste, mas sofre com sérios problemas. O primeiro deles está na figura do próprio MacFarlane, que apesar de ser uma figura simpática e divertida, abusa demais do humor infantilóide, no pior estilo "pipi-cocô-pum". Ao invés de ele usar o seu talento de outra forma, mudando seu estilo de comédia, ele prefere se entregar a esses detalhes que deixam cada cena com aquela cara de "comédia do tiozão do pavê". MacFarlane jamais será Mel Brooks... nunca!
Um estilo de humor bem cansativo
A química entre MacFarlane e Charlize Theron é praticamente nula. Não poderia haver um casal mais sem sal e nada crível. Eles parecem deslocados, estranhos um ao outro. Os melhores momentos de MacFarlane - os únicos em que ele se sente à vontade - são logo no começo quando ele divide a cena com Giovanni Ribisi e Sarah Silverman. O primeiro, um ator experiente, mas que nunca estourou de forma contundente e a segunda, uma comediante - como MacFarlane - e não tão familiarizada com as telonas.
O casal principal com química zero
O grande mérito - talvez o único - está nas duas aparições surpresas. Em determinado momento, Albert vê no fundo da cidade uma garagem soltando algumas luzes. Ele abre a porta e Doc Brown (Christopher Lloyd em pessoa) está lá tentando esconder o DeLorean. Ele tem até falas! Incrível lembrança.
De Doc Brown...
A outra aparição é de Django (Jamie Foxx). Sem dúvida os melhores momentos do filme.
DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA (12 Angry Men / 1957) - No cinema ele era um novato. Sidney Lumet estreou na direção de longa metragens com Doze Homens e uma Sentença. E logo de cara o jovem diretor que tinha pouco mais de 30 anos, foi indicado ao Globo de Ouro e ao Oscar. Uma das grandes marcas que Lumet esbanjaria na direção desse longa e levaria pelos demais filmes da sua longa carreira (como Um Dia de Cão, Serpico, entre tantos outros) é a criatividade. Afinal, como manter interessante um filme que não passa de 12 personagens conversando dentro de uma sala?
Confinados discutindo a sentença
Este é o desafio principal de Doze Homens e uma Sentença e Lumet tira de letra. O filme começa com um take externo de um tribunal, logo depois o corredor interno onde várias ações acontecem ao mesmo tempo - pessoas correndo, dando parabéns, policial pedindo silêncio - até que a câmera estaciona em uma porta onde um juiz dá o veredito a um jovem de 18 anos. "Ele é acusado de matar o pai a facadas e cabe a estes 12 homens o destino dele, precisa ser uma decisão unânime. Se condenado ele vai direto pra cadeira elétrica."
O garoto acusado de matar o pai
Os doze entram numa sala para deliberar. E de cara fazem uma votação para que eles decidam rapidamente o futuro do jovem - onze o consideram culpado mas um vota pela inocência do rapaz. Este é Henry Fonda, que também assina a produção do longa. Fonda já era um astro, dezessete anos antes - em 1940 - ele havia concorrido ao Oscar de melhor ator por Vinhas de Ira. Prêmio que ele acabaria levando em 1981 por Num Lago Dourado.
Robert Redford entregando a Henry Ford o Oscar em 1981
Doze Homens e uma Sentença se desenrola totalmente dentro daquela sala, com os doze debatendo se o menino deverá ser culpado ou inocentado da acusação. O roteiro cuidadosamente amarrado é simplesmente brilhante - baseado num livro escrito por Reginald Rose em 1954 e vencedor de inúmeras premiações literárias.
Capa de uma das edições do livro que deu origem ao filme
Os diálogos são afiados e o filme traz interpretações muito bem construídas por doze atores que nos detalhes demonstravam as peculiaridades de cada personagem - uma camisa de manga curta, um óculos, um cabelo grisalho, um olhar frio, um cabelo lambido, um camisa apertada, um chapéu descontraído, um questionador nato, um velhinho de saúde abalada, um velho gripado, um estrangeiro educado e um cara de voz mole. Tudo muito bem ensaiado.
Irredutível - "só estou dizendo que é possível"
A estrela de Sidney Lumet brilha em cada plano. Enquanto a discussão dentro da sala se arrasta - ganhando contornos cada vez mais empolgantes - o diretor altera o enquadramento e o posicionamento dos atores, tudo para passar a claustrofobia para quem assiste. Ficamos incomodados com o calor que eles sentem na sala sem ventilação e com o passar das horas - eles transmitem a impaciência em cada fala.
Acusações de lado a lado
Poucas vezes um filme pode ser tão tão complexo e simples ao mesmo tempo, principalmente pelas questões que ele levanta como preconceito racial, descaso com o ser humano, egocentrismo, xenofobia, entre tantas outras coisas. E o mais interessante é que no final não se sabe se o autor do crime é culpado ou não, o filme não trata disso. A questão principal aqui é o homem enfrentando os seus grandes demônios e tendo que lidar com outros com valores e conceitos de moral completamente diferentes. São muitos elementos, muitas camadas que fazem de Doze Homens e uma Sentença um filme eterno.
JUVENTUDE (Youth / 2015) - Paolo Sorrentino está fazendo certo barulho no cenário do cinema mundial. O italiano escreveu e dirigiu o elogiado A Grande Beleza, que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013. Agora ele entrega outro filme que abusa da introspecção - Juventude, que foi indicado para dois Globos de Ouro e outros tantos prêmios internacionais.
A juventude e a velhice dividindo espaço
Tudo se passa dentro de um spa nas montanhas suíças que recebe todo tipo de gente, das mais abastadas financeiramente falando, é claro. Fred (Michael Caine) e Mich (Harvey Keitel) já estão na casa dos oitenta anos e são amigos há mais de sessenta. O primeiro é um maestro aposentado que se nega a tocar as suas composições por lhe trazer memórias dolorosas da esposa. O segundo é um cineasta que está trabalhando em um roteiro para um filme-testamento.
Dois amigos vendo a vida com outros olhos
Mas o peso do filme não está apenas sobre eles, os coadjuvantes tem grande força - todos tem algum problema com o passado. Ou querem esquecê-lo, ou relembrá-lo ou celebrá-lo ou quem sabe ainda reconstruí-lo. E isso não importa a idade. Paul Dano faz um jovem ator que teme o passado - não quer ficar marcado por uma interpretação em filme blockbuster.
Um ator à procura de inspiração
Um casal de idade tem segredos no passado. Eles ficam o filme inteiro sem se falar - certo momento a mulher, do nada, lança um tapa no rosto do marido na frente de todo muno e logo depois os dois são flagrados transando no meio da floresta. Maradona está lá também e idolatra o próprio passado. Gordo, com falta de ar e relembrando o tempo todo dos anos de glória pela "selección", enquanto a namorada massageia o seu mágico pé esquerdo.
Maradona?
A Juventude do título fica por conta da beleza da Miss Universo que se hospeda no local e de uma enfermeira solitária que pouco fala, está sempre com olhar perdido e se comunica pelo toque suave nos pacientes nas sessões de massagem. No caso delas o passado serve de alicerce, o que interessa para elas é o futuro.
A Miss Universo encantando os amigos no spa
Todos esses coadjuvantes com passados diferentes se cruzam, tem seus destinos convergidos, influenciando seus presentes imperfeitos com a esperança de um futuro diferente. O spa também tem vida própria, são vários takes de pessoas caminhando pelos cantos, nas piscinas, nas salas de relaxamento, no jardim e é tudo mostrado com certo distanciamento, como se Sorrentino quisesse que percebêssemos que o spa e as pessoas que trabalham ali também tem vida. Por vezes os ângulos retos, geometricamente arquitetados lembram Kubrick.
Takes geometricamente pensados
Michael Caine está magnífico no papel do maestro que sente falta da esposa e tem uma relação atribulada com a filha, interpretada por Rachel Weisz. Tudo parece perfeito entre os dois até que em um acesso de raiva por ter sido abandonada pelo marido, a filha descarrega a frustração sobre o pai, que não se defende, sabe que foi ausente. O que poderia resultar no afastamento de pai e filha acaba tendo efeito contrário - eles se mantem juntos e mais próximos.
A mulher de coração partido
Uma das cenas mais marcantes do filme é quando sozinho nas montanhas, Fred rege os passarinhos e as vacas, como se lembrasse de um passado distante de maestro, que ainda lhe traz, lá no fundo, grande orgulho.
Uma das melhores cenas do longa
Harvey Keitel está carrancudo aparentando até mais do que os seus 75 anos. Os filmes que seu personagem dirige não são mais tão respeitados, ele está decadente na carreira e ouve isso da sua principal atriz, vivida por Jane Fonda em pequena ponta. Ele acaba atormentado quando passa a ter ilusões das atrizes e personagens femininas com quem já trabalhou - elas estão no meio do campo e passam a recitar pra ele cenas dos filmes. Bela cena.
O fim de vida de um amante do cinema
Paolo Sorrentino tem sensibilidade para entregar Juventude como ele realmente quer - ou seja, uma análise do presente como resultado do ontem, no melhor estilo "a gente colhe o que planta". O passado está presente em cada um dos personagens de forma marcante, tanto para o bem como para o mal. Cada um - inclusive nós mesmos - sabe as dores e as delícias de ter um presente como resultado de um passado de escolhas boas ou ruins.
Veja abaixo o trailer de Juventude.