domingo, 21 de dezembro de 2014

NO (2012)

Chile, país sitiado

NO (2012) - Filmes políticos são difíceis de serem feitos. Sempre envolvem a opinião particular dos realizadores e mexem com a memória das pessoas. Ainda mais quando se trata de algo tão recente. Chile 1988. O país passa por um período político conturbado. Pinochet governa a ditadura no país, com centenas de vítimas que pagam o preço de serem contrários ao regime. Mas no final da década de 80, a abertura política aos poucos foi se configurando. Para conter o ânimo dos contrários, Pinochet, que ainda contava com apoio de boa parte da população, decidiu fazer um plebiscito para saber se o regime ditatorial continuaria ou não - era votar SIM ou NÃO. Ele tinha certeza de que venceria.

A população dizendo não à Pinochet

E não apenas pela coragem do diretor Pablo Larraín, mas o mérito de uma execução que coloca NO entre os filmes com o trabalho de reconstrução de época mais bem feito do cinema recente. Para reviver o Chile de 1988, Larraín deixou de lado a película e usou uma U-matic 4:3, a mesma usada naquela época, sem falar no ótimo trabalho do figurino. Tudo pelo realismo. Qualquer desavisado acharia que No e Desaparecido - Um Grande Mistério de Costa-Gavras de 1982 são obras contemporâneas.

René e seu filho, ameaçados

O mexicano Gael García Bernal vive René, um publicitário que acaba envolvido no desenvolvimento da campanha do Não, obviamente contrária à ditadura de Pinochet. Dessa forma, ele passa a desenvolver a campanha e aos poucos passa a sofrer perseguições e ameaças. Mas quanto mais encontra dificuldades no desenvolvimento da campanha mais ele se inflama para fazer uma campanha vitoriosa.

Campanha do "No", o apelo pela publicidade

A campanha do Sim está segura da vitória, mas os partidários se incomodam quando em uma pesquisa popular o Não ameaça. A campanha bolada por René recebe críticas de todos os lados, ela é alegre, colorida, bem humorada, "parece um comercial de Coca Cola", diz um dos seus críticos. No youtube não é difícil encontrar propagandas da época, todas usadas no longa de Larraín. O tiro de René foi certeiro. Cansada da ditadura de Pinochet e buscando algo parecido com o que propunha a campanha do Não, com o slogan "Chile, a alegria já vem", a vitória foi confirmada e a população mostrou que estava farta de Pinochet. Ele ainda deu um jeito de ficar como Chefe das Forças Armadas até 1998.

"Chile, la alegria ya viene"

René vai se desmontando conforme o longa passa. A pressão sobre ele só aumenta, as ameaças de grupos políticos ligados ao governo são constantes, inclusive contra seu filho. A medida que a história avança, René vai ficando mais e mais sozinho, ilhado no seu perigoso cargo de principal mente pensante por trás da campanha publicitará a enfrentar a ditadura sanguinária de Pinochet. Ele costuma andar pelas ruas de Santiago de skate, o que mostra audácia, um adulto com ideias de jovem revolucionário, o que mantém firme e convicto na sua decisão de abrir mão de tudo e de todos por uma ideologia.

Skate pelas ruas de Santiago, retrato perfeito da personagem de Gael

Como filme, No funciona muito bem ainda mais com Gael, mais uma vez inspirado. Como registro histórico é obrigatório, tanto para fãs de cinema como para fãs de história política. O longa de Larrain é um filme só acertos. Veja abaixo o trailer de No.

    

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

SALÓ OU 120 DIAS DE SODOMA (1975)

Como cachorro, o ser humano descartável, aos olhos de 4 fascistas

SALÓ OU 120 DIAS DE SODOMA (Salo o le 120 Giornate di Sodoma) - 1944, a Itália é um país dominado por nazifascistas. E na cidade de Saló, jovens são sequestrados e mandandos para um castelo afastado. Lá conhecem 4 ricos e entediados nazifascistas, os mandantes dos sequestros. Eles não tem nomes, apenas são chamados por apelidos - o bispo, o duque, o magistrado e o presidente. Cercados por homens armados, os jovens ouvem como será sua nova vida dali para frente: "vocês estão aqui para satisfazer os nossos prazeres, ninguém lá fora sabe que vocês estão aqui, para o mundo externo é como se vocês já estivessem mortos".

Os 4 facistas - o bispo, o duque, o magistrado e o presidente

O longa do italiano Pier Paolo Pasolini é inspirado no livro de mesmo nome do Marquês de Sade e estará, sem dúvida, entre os filmes mais chocantes que você já assistiu e provavelmente irá assistir em toda a sua vida. São pouco menos de 2 horas, mas acredite, com cenas que você levará para sempre. Se você ainda tinha qualquer fé na humanidade, este filme te faz perder a total certeza de que o homem ainda é passivo de concerto. Você fica angustiado, triste, envergonhado e ao final enojado. Não é exagero.

Nudez, nada sensual, pontua o filme de fora a fora

Para suavizar, os créditos iniciais são exibidos em tela branca com uma fonte erudita e uma valsa que beira o cômico ao fundo, levemente lembra as aberturas dos filmes de Woody Allen, embora o diretor americano use jazz. Depois de chegarem ao castelo a história se divide em três capítulos, o ciclo das manias, o ciclo da merda e o ciclo do sangue.

Torturas das mais escabrosas - quando é pesado, acredite, fica pior

Em cada um dos ciclos, uma senhora prostituta, tão libertina quanto os 4, conta as suas escabrosas experiências com riquezas de detalhes num enorme salão. Cada velho tem uma equipe de jovens e guardar amados consigo. Os jovens inertes ficam passíveis, o tempo todo. A senhora demonstra um prazer enorme ao fazer aquilo. Ao fundo uma moça toca um piano o que dá uma leveza à cena, em contraste com as histórias sempre pesadas. Mesmo assim estranhamente tudo se encaixa, desde as histórias fortes, a senhora de vestido longo de festa, as caras de contentamento e prazer dos 4 velhos, os jovens inertes e sem reação, e as paredes envelhecidas de um castelo que já viveu dias melhores.

Cada velho tem um "time" com jovens que usa para seu bel prazer, além de guardas armados para inibir os revoltos

O ciclo das manias trata sobre manias sexuais depravadas e a cada momento um dos 4 libertinos se levanta de súbito e arrasta um dos jovens para uma sala ao lado para se satisfazer. O ciclo seguinte, o da merda, faz relação entre sexo e escatologia de todos os tipos. O ponto máximo, você já deve imaginar, é um jantar de gala tendo como prato principal... você sabe. Aqui, a repugnância chega ao máximo.

Repugnante

O ciclo do sangue é o momento onde os jovens que não se encaixaram no plano de satisfazer os libertinos a qualquer custo são punidos com torturas físicas das mais intensas, com cenas fortíssimas que beiram o realismo. Acompanhamos tudo de longe, como voyeur, assim como cada libertino o faz por vez, vendo tudo por binóculos. Em nenhum momento ouvimos os gritos de dor dos torturados. Somos grosseiramente convidados a assistir passivamente aquele festival de horrores.

E ao final os que não se encaixaram no regime são descartados das formas mais desumanas

Uma valsa bonita e inocente, com a mesma trilha dos créditos iniciais, é tocada para encerrar o filme, enquanto dois jovens soldados dançam pela sala.

A valsa inocente e incoerente

Com Saló, Pasolini pretendia iniciar a sua trilogia da morte (já havia lançado a trilogia da vida com os filmes Decamerão, Os Contos de Canderbury e As Mil e Uma Noites), mas o diretor foi encontrado morto com o rosto desfigurado em condições até hoje inexplicáveis pouco depois de terminadas as gravações, Saló ainda não havia nem sido lançado.

Pasolini no set de Saló

Ao mesmo tempo que foi proibido, e ainda o é, em diversos países, Saló alcançou status de filme de arte, um estudo sobre a condição humana, e por Pasolini ter vivido muitos anos na Itália fascista, o filme ganhou um ar de crítica da sociedade, do quão ruim o ser humano pode ser, prova de que a maldade está em cada um de nós. Ninguém é totalmente bom ou completamente mal, esses dois sentimentos ficam adormecidos dentro de nós, se polarizando, de lado a lado.
Assista abaixo o trailer de Saló ou 120 Dias de Sodoma: